A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) desempenha um papel essencial na fiscalização e regulação do setor elétrico brasileiro, cuja responsabilidade seria garantir a qualidade, eficiência e continuidade do serviço de distribuição de energia. É uma autarquia especial com independência semelhante ao Banco Central do Brasil.
Contudo, eventos recentes, como os apagões que afetaram o estado de São Paulo na semana passada e o Amapá em 2020, evidenciaram fragilidades na atuação da Agência, especialmente no combate eficaz a interrupções massivas de energia elétrica aliado ao rigor em penalizar não apenas as concessionárias, mas também eventuais prevaricações de setores de fiscalização da autarquia.
Em outubro do ano passado, São Paulo também sofreu outro corte severo no fornecimento de energia, fazendo com que milhões de residentes ficassem sem energia durante um longo período de tempo, afetando serviços básicos como hospitais, transportes públicos, escolas, comunicações entre outros.
O incidente gerou tumultos na maior cidade do Brasil e causou perdas econômicas significativas. Segundo a Aneel, a Justiça Federal anulou multa de R$ 165,8 milhões aplicada à época, após a Distribuidora de Energia de São Paulo (ENEL) iniciar um processo judicial contra a entidade reguladora.
A crise no Amapá, em 2020, é outro exemplo notável. O estado sofreu com um colapso energético sem precedentes e que se estendeu por mais de 20 dias, deixando a população sem acesso regular ao serviço de energia. O episódio gerou um estado de calamidade pública, com prejuízos sociais e econômicos graves. A ANEEL, à época, foi criticada por sua atuação reativa, com medidas corretivas sendo implementadas apenas após o desastre.
Outros apagões também ocorreram no estado do Amapá pós apagão de 2020: Zona Norte de Macapá sem energia em torno de 15 horas em 15 de outubro de outubro de 2022, Zona Sul de Macapá sem os serviços de eletricidade por mais de 14 horas em 26 de abril deste ano, sem contar com outros apagões em diferentes municípios como Santana e interior.
Fica evidenciado pelas ocorrências descritas que crises devido a falhas na distribuição de energia não poupam estados pobres como o Amapá, muito menos entes federativos ricos como é o caso do Estado de São Paulo. Mas o que esses eventos teriam em comum quanto à atuação da agência reguladora?
Esses episódios revelam a ausência de um rigor adequado por parte da ANEEL no que diz respeito à prevenção e mitigação desses eventos. A atuação da Agência se mostra insuficiente, tanto no monitoramento das condições das redes de distribuição quanto na aplicação de penalidades adequadas às empresas responsáveis.
Com intuito de evitar a repetição de eventos como os apagões em São Paulo e no Amapá, algumas soluções seriam necessárias. Primeiramente, seria fundamental que a ANEEL adotasse um controle mais rigoroso sobre os planos de manutenção e expansão das redes de distribuição. As concessionárias de energia deveriam ser obrigadas a apresentar e cumprir projetos detalhados de modernização de infraestruturas, que visassem prevenir falhas de grande escala.
Além disso, a Agência deveria intensificar a fiscalização desses projetos e criar mecanismos para responsabilizar as distribuidoras que não cumprissem suas obrigações. Assim, poder-se-ia evitar a ocorrência de falhas gritantes como as que ocorreram nas Zonas Norte e Sul da cidade de Macapá que, sob o olhar de vários especialistas da área, uma grande possibilidade de negligência técnico gerencial pode ter ocorrido, o que acabou se confirmando através o relatório realizado pela fiscalização da ANEEL quanto ao incidente que deixou cerca de 35 mil pessoas na Zona Sul de Macapá em abril de 2024 e multa de R$ 8.343.521,97 aplicada à empresa distribuidora.
A ANEEL também precisaria rever seu modelo de penalidades. As multas impostas atualmente, muitas delas convertidas em “investimentos” às distribuidoras, não são suficientes para desencorajar a falta de investimentos adequados em infraestrutura. Penalidades mais severas, incluindo a possibilidade de caducidade das concessões, deveriam ser implementadas em casos de negligência grave.
Ainda como sugestão, é essencial aumentar a transparência nas operações do setor elétrico. A ANEEL deveria garantir que informações sobre a situação das redes de distribuição e os investimentos em manutenção estejam disponíveis publicamente, permitindo que consumidores e autoridades monitorem o cumprimento das obrigações das concessionárias.
Por fim, outra forma de se garantir a transparência não apenas no setor elétrico, mas também em outros setores de serviços públicos, seria o Congresso Nacional estender a Lei da Transparência à todas as empresas que detenham concessões públicas de serviços, tal medida ajudaria a evitar que as agências reguladoras fossem “capturadas” pelas concessionárias por falta de informações, contribuiria na composição das tarifas dentro dos padrões da Lei de Concessões e ajudaria o Poder Judiciário a tomar decisões mais justas, evitando o que aconteceu com a decisão judicial que beneficiou a concessionária paulista em março deste ano.
Em resumo, as sugestões apresentadas não são de simples implementação. Requerem envolvimento contundente da sociedade civil organizada fazendo o engajamento adequado não apenas nas audiências públicas ou consultas públicas realizadas pela Agência, mas também em ações efetivas junto aos Poderes de Estado, em especial ao Executivo e Legislativo, no sentido de alterar o critério de escolha da Diretoria da Agência, de maneira a se garantir mais participação da sociedade civil na Diretoria e Conselhos. Dessa forma, seria possível vislumbrar uma melhoria significativa na qualidade dos serviços prestados à população.
Por *Jucicleber Castro
(*) Engenheiro, Professor do Magistério Superior, Especialista em Engenharia de Automação Industrial e Gestão de Telecomunicações, Mestrando Concluinte em Engenharia Elétrica pela UFPA, Ex-Diretor Técnico e de Operação da extinta Distribuidora de Energia Estatal do Amapá (2011-2014)